A heresia do Catarismo, parte II
Essa é a segunda parte de uma série de quatro postagens, feitas com um estudo profundo sobre a heresia albigense (também chamada de Catarismo), estudo este feito pelo Reverendíssimo Cônego Paulo Roberto de Oliveira

Reverendíssimo Cônego Paulo Roberto de Oliveira, Cavaleiro-Capelão Grande Oficial de Obeidência ad Honorem da Sacra Ordem Dinástica, Equestre, Militar e Hospitalar da Milícia de Jesus Cristo e de Santa Maria Gloriosa, Grão-Chanceler da Suprema, Insigne e Fidelíssima Ordem de Sua Alteza o Príncipe: de São Miguel Arcanjo e do Preciosíssimo Sangue, Cônego da Sereníssima Casa Principesca de Mesolcina, Membro do Conselho Privado de Sua Alteza o Príncipe de Mesolcina.
A TENTATIVA DE SOLUÇÃO CATÓLICA A HERESIA DO CATARISMO
Qual é a solução católica que todos conhecemos? Não que a Igreja Católica tenha proposto uma solução completa para o mistério do mal, pois nunca foi nem a reivindicação, nem a função da Igreja explicar toda a natureza de todas as coisas, mas sim salvar almas.
Mas a Igreja Católica tem nesse problema particular uma resposta bem definida dentro do campo de sua própria ação. Ela diz que a natureza do homem é imortal e feita para a bem-aventurança; em seguida, a mortalidade e a dor são o resultado de sua queda, isto é, de sua rebelião contra a vontade de Deus. Ela diz que, desde a queda, nossa vida mortal é uma provação ou teste, de acordo com nosso comportamento em que recuperamos (mas através dos méritos de nosso Salvador) aquela beatitude imortal que havíamos perdido. Agora chegando ao maniqueísta, este estava tão sobrecarregado pela experiência ou perspectiva de sofrimento e pelo fato espantoso de que sua natureza estava sujeita à mortalidade, que ele se refugiava em negar a bondade onipotente de um Criador. Ele disse que o mal agia no universo tanto quanto o bem; os dois princípios estavam sempre lutando como iguais um contra o outro. O homem estava sujeito a um, tanto quanto ao outro. Se ele pudesse lutar, ele deveria se esforçar para se juntar ao bom princípio e evitar o poder do mau princípio, mas ele deve tratar o mal como uma coisa "poderosa".
O maniqueísta reconheceu um deus maligno, bem como um deus bom, e sintonizou sua mente com essa concepção aterradora. Tais ideias geraram todo tipo de efeitos secundários: - Em alguns homens isso levaria à adoração ao diabo; - Em muito mais levaria à magia, que é uma dependência de algo que não seja o livre arbítrio de alguém, a truques pelos quais poderíamos afastar o poder maligno ou enganá-lo; - Levou também paradoxalmente, a deliberação de uma grande quantidade de mal, e dizendo que não poderia ser ajudado ou que não importava, porque estávamos de qualquer forma sob o domínio de uma coisa tão forte quanto o poder para o bem e podemos agir de acordo. Mas uma coisa que os maniqueístas de todas as matizes sempre sentiram, é que a matéria pertence ao lado mau das coisas.
Embora possa haver muito mal de natureza espiritual, o bem deve ser totalmente espiritual. Isso é algo que você encontra não só nos primeiros maniqueístas, ou nos albigenses da Idade Média, mas até mesmo nos puritanos remanescentes. Parece indissoluvelmente ligado ao temperamento maniqueísta em todas as formas. A matéria está sujeita à decadência e, portanto, é má. Nossos corpos são maus. Seus apetites são maus. Essa ideia se ramifica em todos os tipos de detalhes absurdos: O vinho é mau; Mau é qualquer prazer físico; Ou prazer semi-físico é mau; A alegria é má; A beleza é má; Os divertimentos são maus; O Casamento é mau; O poder humano é mau; As autoridades são más, e assim por diante. Qualquer um que leia os detalhes da história albigense será confrontado repetidas vezes pela atitude singularmente moderna desses antigos hereges, porque eles tinham a mesma raiz que os puritanos que ainda, infelizmente, sobrevivem entre nós. Daí derivam as linhas principais que foram completadas em detalhes conforme o movimento albigense se espalhou. Nossos corpos são materiais, eles decaem e morrem. Portanto, foi o deus do mal que fez o corpo humano, enquanto o deus bom fez a alma. Daí também nosso Senhor foi aparentemente vestido com um corpo humano. Ele apenas aparentemente sofreu. Daí também a negação da ressurreição.
Como a Igreja Católica sempre foi fortemente contraria a um ensinamento deste tipo, sempre houve um conflito irreconciliável entre ela e os maniqueístas ou puritanos, e esse conflito nunca foi mais violento do que na forma que tomou entre os Albigenses e os católicos organizados.
A Igreja nos séculos XI e XII, particularmente no oeste da Europa foi atacada, o papado, a hierarquia e todo o corpo da doutrina católica e os sacramentos católicos estabelecidos foram alvo da ofensiva albigense. A heresia maniqueísta, sempre que aparece na história, parece como certas doenças epidêmicas do corpo humano, você dificilmente sabe de onde vem. Surgindo em vários centros, aumentando seu poder e torna-se, finalmente, uma espécie de peste devastadora. Assim foi com a grande fúria albigense de 900 a 1000 anos atrás. Suas origens são, portanto, obscuras, mas podemos rastreá-las. O século XI, entre os anos 1000 e 1100, pode ser chamado de despertar da Europa. Nossa civilização acabara de passar por provações terríveis.
O Ocidente fora atormentado e, em alguns lugares, a cristandade quase se extinguira, uma massa de piratas pagãos do Norte, primeiro os escandinavos não convertidos e, depois, apenas meio-convertidos. Foi abalada por invasores mongóis vindos das planícies do norte da Ásia, pagãos montados que, em hordas investiram contra a Europa. E já havia sofrido o grande ataque muçulmanos contra o Mediterrâneo, que em seu ataque havia conseguido ocupar quase toda a Espanha, subjugando permanentemente o norte da África e a Síria e ameaçando a Ásia Menor e Constantinopla.
A Europa estivera sob cerco, mas começara a derrotar seus inimigos. Os piratas do norte foram derrotados e expulsos. Os alemães recém-civilizados atacaram os mongóis e salvaram o alto Danúbio e a fronteira a leste. Os eslavos cristãos se organizaram mais para o leste. Houve o início do reino da Polônia. Mas o principal campo de batalha era a Espanha, lá, durante este século XI, o poder muçulmano foi repelido de uma fronteira móvel para outra mais ao sul, e antes do final do século XI e a grande massa da Península Ibérica foi recapturada pelos cristãos.
Com esse sucesso material, houve, e foi tanto uma causa quanto um efeito, um forte despertar da inteligência na disputa filosófica e em novas especulações sobre a ciência física. Um desses períodos começou, que aparecem de tempos em tempos na história de nossa civilização, quando há, por assim dizer, "brota no ar". A filosofia cresceu vigorosamente, a arquitetura foi ampliada, a sociedade passou a ser mais organizada e as autoridades civis e eclesiásticas ampliaram e codificaram seus poderes. Toda essa nova vitalidade, trabalhou para fortalecer tanto a heresia quanto para revigorar a ortodoxia.
Começou a aparecer do Oriente, surgindo aqui e ali, mas em geral o avanço se deu em direção ao Ocidente, indivíduos ou pequenas comunidades que propuseram e propagaram um novo e, como eles o chamavam, uma nova forma purificada de religião. Essas comunidades tinham alguma força nos Balcãs, aparentemente antes de aparecerem na Itália. Eles parecem ter adquirido alguma força no norte da Itália antes de aparecerem na França, embora tenha sido na França que a luta principal tenha ocorrido. Eles eram conhecidos por vários nomes.
Eles eram geralmente conhecidos como "Os Puros". Eles próprios gostavam de se dar esse epíteto, colocando-o na forma grega e chamando-se "Cathari". Toda a história desse obscuro avanço do perigo vindo do leste da Europa ficou perdida no resplendor da glória quando, durante o século XIII, a cristandade subiu ao cume de sua civilização, por isso as origens albigenses foram esquecidas e sua obscuridade é acentuada pela sombra na qual a glória posterior a lançou. No entanto, foi uma influência generalizada e perigosa, e houve um momento em que parecia que iria nos prejudicar por completo. Os Consilho da Igreja estavam conscientes do que estava acontecendo, mas a coisa era muito difícil de definir e delimitar.
Em Arras, Flandres, já em 1025, um Concílio condenou certas proposições heréticas desse tipo. Em 1049, houve outra condenação mais geral emitida por um Concílio realizado em Reims. Toda a influência cátara pairava como uma névoa venenosa, que se move sobre a face de um amplo vale e se instala aqui e ali. Começou a se concentrar e tomar forma mais visível no sul da França, e foi aí que o confronto final e decisivo entre ela e a força organizada da Europa católica deveria acontecer.
A heresia foi ajudada no caminho para a sua definição e força pelo efeito da primeira grande cruzada contra os muçulmanos, que agitou toda a Europa e deixou entrar com a volta das tropas, uma enxurrada de novas influências do Oriente, além de estimular todo tipo de atividade no Ocidente. Essa marcha coincidiu com o final do século XI. Jerusalém foi capturada em 1099. Foi com o século seguinte, o décimo segundo (1100-1200), que o seu efeito foi sentido. Esta foi uma época mais avançada que a de seus predecessores. As universidades estavam surgindo, assim como os órgãos representativos chamados de parlamentos, e surgia o "gótico". Toda a verdadeira idade média começou a florescer. Em tal atmosfera de vigor e crescimento, os Cathari se fortaleceram, assim como todas as outras forças ao redor deles. Foi no início deste século XII que a coisa começou a ficar alarmante, e já antes do meio do período os franceses do norte instigavam o papado a agir.