A heresia do Catarismo, parte IV
Essa é a quarta e última parte de uma série de quatro postagens, feitas com um estudo profundo sobre a heresia albigense (também chamada de Catarismo), estudo este feito pelo Reverendíssimo Cônego Paulo Roberto de Oliveira
Reverendíssimo Cônego Paulo Roberto de Oliveira, Cavaleiro-Capelão Grande Oficial de Obeidência ad Honorem da Sacra Ordem Dinástica, Equestre, Militar e Hospitalar da Milícia de Jesus Cristo e de Santa Maria Gloriosa, Grão-Chanceler da Suprema, Insigne e Fidelíssima Ordem de Sua Alteza o Príncipe: de São Miguel Arcanjo e do Preciosíssimo Sangue, Cônego da Sereníssima Casa Principesca de Mesolcina, Membro do Conselho Privado de Sua Alteza o Príncipe de Mesolcina.
O CONDE SIMON IV DE MONTFORT FUNDA A SACRA MILÍCIA DE JESUS CRISTO, PONDO FIM AO CATARISMO
Era óbvio que a coisa ia chegar à resolução pelas armas, agora que o governo local do Sul estava apoiando esta nova "contra-igreja" altamente organizada, se ela se tornasse um pouco mais forte, toda a nossa civilização entraria em colapso.
A simplicidade da doutrina, com seu sistema dual de bem e mal, com sua negação da Encarnação e dos principais mistérios cristãos e seu anti-sacramentalismo, sua denúncia da riqueza clerical e seu patriotismo local - tudo isso começou a apelar para as massas nas cidades, bem como aos nobres.
Ainda assim, o Papa Inocêncio hesitava, pois todo homem de fé e estadista tende a hesitar diante do verdadeiro apelo às armas; mas mesmo ele, pouco antes do final do século, verificou a necessidade de uma Cruzada. Quando a luta chegasse, seria necessário pelos barões do norte, algo como uma conquista do sudeste da França entre o Ródano e as montanhas, tendo Toulouse como sua capital. Mas a Cruzada não ocorreu naquele momento. A virada do século passara antes que Raymond, Conde de Toulouse (Raymond VI), assustado com a ameaça do norte, prometesse mudar e retirar sua proteção do movimento subversivo. Ele até prometeu exilar os líderes da agora contra-igreja herética fortemente organizada. Mas ele não foi sincero. Suas simpatias estavam com sua própria classe no Sul, com a massa de combatentes, seus partidários, os pequenos senhores do Languedoc, que estavam mergulhados na heresia.
São Domingos de Gusmão, saindo da Espanha, tornou-se pela força de seu caráter e a franqueza de sua intenção, a alma da reação que se aproximava. Em 1207, o papa pediu ao rei da França, como soberano e superior supremo de Toulouse, que usasse a força.
Quase todas as cidades do sudeste já tinham sido afetadas. Muitas estavam totalmente dominadas pelos hereges, e quando o Legado Papal, Castelnau, foi assassinado (presumivelmente com a cumplicidade do conde de Toulouse), a demanda por uma Cruzada foi repetida e enfatizada.
Pouco depois desse assassinato, a luta começou. O homem que se destacou como o maior líder da campanha era um senhor não muito importante, um senhor pobre de um castelo do norte – um lugar pequeno, mas fortificado chamado Montfort. uma colina abrupta e bastante isolada no meio das terras à volta.
Para aquela pequena colina isolada e fortificada, o nome de "a colina forte", montfort, e assim Simon IV, Conde de Montfort tomou seu nome daquele senhorio ancestral. Este bravo Conde aceitou o chamamento do Papa, e formou uma Ordem de Cavalaria, que chamou de Milícia de Jesus Cristo, cuja fundação data de 1209. O nome dedicado ao próprio Cristo revela que a luta contra os mortais hereges era uma Missão dedicado ao próprio Cristo.
Quando a luta começou, Raymond de Toulouse sentiu que tinha chegado o seu fim. O rei da França estava se tornando mais poderoso do que ele. Ele recentemente confiscara as propriedades e toda a soberania dos Plantagenetas no norte da França.
João dito O Sem Terra, o rei Plantageneta da Inglaterra, de língua francesa, como era toda a classe alta inglesa daqueles tempos, era também (sob o rei da França) o Senhor da Normandia, de Maine e de Anjou, e - através da herança de sua mãe de metade do país ao sul do Loire: Aquitânia.
Toda a parte norte dessa vasta posse que ia do Canal da Mancha até as montanhas do centro da França passou de uma só vez para o rei da França, quando os pares de João da Inglaterra o haviam condenado à perda. Raymond de Toulouse temia o mesmo destino. Mas ele ainda continuava fazendo jogo duplo. Embora ele marchou com os cruzados contra algumas de suas próprias cidades em rebelião contra a Igreja, no fundo ele desejou que os nortistas fossem derrotados. Ele já havia sido excomungado uma vez. Ele foi excomungado novamente em Avignon em 1209, o primeiro ano dos principais combates.
Essa luta foi muito violenta. Houve uma carnificina chocante e um saque de cidades, e havia surgido a única coisa que o papa mais temia: o perigo de um motivo financeiro chegando para piorar o já terrível negócio da guerra. Os senhores do norte exigiriam naturalmente que as propriedades dos hereges conquistados fossem divididas entre eles. Ainda houve um esforço de reconciliação, mas Raymond de Toulouse, provavelmente desesperado por ter sido deixado sozinho, estava preparado para resistir. Em 1207 ele foi declarado um fora da lei da Igreja, e como o Rei João I da Inglaterra, suas posses foram declaradas perdidas para ele pela lei feudal. O momento crítico de toda a campanha surgiu em 1213.
É provável que as forças dos barões do norte da França fossem fortes demais para os sulistas, se Raymond de Toulouse não conseguisse aliados. Mas dois anos depois de sua última excomunhão, aliados muito poderosos apareceram de repente ao seu lado na guerra. Parecia certo que a maré viraria e que a causa albigense ganharia. Com a sua vitória, o reino da França entraria em colapso e a causa católica na Europa Ocidental. Esses poucos anos, portanto, foram decisivos para o futuro. Foram nestes anos que uma grande coalizão, liderada pelo agora despojado João I da Inglaterra e apoiada pelos alemães, marchou contra o rei da França no Norte, e fracassou.
O rei da França conseguiu, contra todas as probabilidades vencer a Batalha de Bouvines, perto de Lille (29 de agosto de 1214). Mas já no ano anterior, outra vitória decisiva dos Lordes do norte lutando no Sul contra os albigenses havia preparado o caminho da vitória de Bouvines. Os novos aliados que vieram em auxílio do conde de Toulouse eram os espanhóis do lado sul dos Pireneus, os homens de Aragão. Havia uma enorme multidão deles liderada por seu rei, o jovem Pedro de Aragão, que era cunhado de Raymond de Toulouse. Um bêbado, mas assim mesmo um homem cheio de energia, ele era alguém que não era incompetente para conduzir uma campanha.
Ele liderou cem mil homens (um número que inclui também os não combatentes) através das montanhas diretamente para o alívio de Toulouse. Muret é uma pequena cidade a sudoeste da capital de Raymond, situada no alto da Garonne, a um dia de marcha da própria Toulouse. O grande exército aragonês, que não tinha interesse direto na heresia em si, mas um forte interesse em enfraquecer o poder dos franceses, estava acampado nas planícies ao sul da cidade de Muret.
Contra eles, a única força ativa disponível era de mil homens sob o comando do Conde Simon IV de Montfort, fundador da Milícia de Jesus Cristo, em 1209. As chances pareciam ridículas – um contra cem. Não era tão ruim assim, é claro, porque os mil homens eram nobres escolhidos, armados e montados (o embrião da Sacra Milícia). As forças montadas no exército aragonês provavelmente não eram mais do que três ou quatro vezes maiores que as forças de Simon IV de Monfort, 1º Grão-Mestre e Fundador de nossa Ordem, sendo que o resto do corpo de Aragão era formado por lacaios.
Mas mesmo assim as chances eram suficientes para tornar o resultado uma das coisas mais surpreendentes da história. Era a manhã do dia 13 de setembro de 1213. Os homens do lado católico, colocados em fileiras com Simon de Montfort à frente, ouviram missa na sela de suas montarias. A missa foi celebrada pelo próprio Domingos de Gusmão. Somente os líderes, é claro, e alguns outros membros da força poderiam estar presentes na própria igreja, onde todos permaneciam montados, mas através das portas abertas, o resto da pequena força podia assistir ao sacrifício.
Terminada a Missa, Simon IV cavalgou à frente de seu pequeno grupo, circulou os aragoneses sem serem vistos pelo oeste e atacou de repente as tropas de Pedro de Aragão, ainda não estavam preparados e o choque de ver uma cavalaria numerosa sair do nada.
Os mil cavaleiros do norte de Simon de Montfort, o membros da Sacra Milícia de Jesus Cristo, destruíram seus inimigos completamente. O exército aragonês tornou-se uma mera nuvem de homens fugindo para salvar suas vidas, completamente apavorados e divididos, não mais sendo considerada como uma força de combate.
O próprio Rei Pedro foi morto. Muret é um nome que deveria ser sempre lembrado como uma das batalhas decisivas do mundo cristão. Se Simon de Monfort e os católicos fiéis tivessem sido derrotados, toda a campanha estaria perdida, não seria apenas o fim da Milícia de Jesus Cristo: seria o fim do Catolicismo na Europa. A batalha de Bouvines provavelmente não teria acontecido e as chances são de que a própria monarquia francesa teria entrado em colapso, dividindo-se em classes feudais, independentes de qualquer controle central.
É triste notar que a importância capital do lugar e da ação que ali foi travada é pouco reconhecida pela Igreja, como pela história. Se Muret tivesse sido perdida, em vez de milagrosamente ter sido vencida, não só a monarquia francesa teria sido enfraquecida e Bouvines não teria sido vencida pelo Rei francês, quase certamente a nova heresia teria triunfado. Com isso, nossa cultura do Ocidente teria sido lançada ao chão. Pois a região em que os albigenses tinham se instalado era a mais rica e o mais bem organizada do Ocidente. Tinha alta cultura, comandava o comércio do Mediterrâneo Ocidental com o grande porto de Narbonne, barraria o caminho dos esforços do norte para o sul, e seu exemplo teria sido inevitavelmente seguido. Assim a resistência albigense colapsou.
As forças católicas do norte haviam vencido a campanha, e o Sul estava meio arruinado em sua riqueza e enfraquecido e sem poder de se revoltar contra a agora poderosa monarquia central em Paris. É por isso que Muret deve contar com Bouvines como a fundação da monarquia e com ela da alta idade Média. Muret abre e fecha o século XIII - século de São Luís, de Eduardo da Inglaterra, de Simon IV de Montfort e de todo o surgimento da cultura ocidental.
Quanto à própria heresia albigense, foi atacada politicamente tanto por organizações civis como por organizações clericais, bem como pelas armas. A primeira inquisição surgiu da necessidade de extirpar os remanescentes da doença. (É significativo que um homem alegando sua inocência tenha apenas de mostrar que ele era casado para ser absolvido da heresia! Isso mostra qual era a natureza da heresia.) Sob o golpe triplo de perda de riqueza, perda de organização militar e de um enraizamento político completamente organizado – a heresia maniqueísta parecia ter desaparecido em um século.
Mas suas raízes eram subterrâneas, onde, através da tradição secreta dos perseguidos ou da própria natureza da tendência maniqueísta, era certo que ressurgiria em outras formas. Ela se escondia nas montanhas centrais da própria França. É possível traçar uma espécie de continuidade vaga entre os grupos albigense e os puritanos posteriores, como os valdenses, assim como é possível traçar algum tipo de conexão entre as heresias albigenses e as maniqueístas anteriores.
Mas o principal, o que levava o nome albigense - o perigo que se revelara tão mortal para a Europa - fora destruído. Foi destruída a um custo terrível; uma grande civilização material tinha sido em parte arruinada e memórias de ódio que permaneceram por gerações haviam sido fundadas. Mas o preço valera a pena, pois a Europa foi salva. A família do conde de Toulouse foi readmitida em sua posição de titular e suas posses não passaram para a coroa francesa até muito mais tarde. Mas sua antiga independência havia desaparecido e, com isso, a ameaça à nossa cultura que quase tinha caído: desapareceu.